Pedaços de maré – Marcela D’Almeida


 

Meu apego pelo o mar é de tão antigo que nem me lembro quando fomos apresentados, não lembro dele sem ser, já fazendo parte da minha rotina.

Crescer em Salvador me trouxe o privilégio de poder quase sempre escolher caminhos que levassem ao mar, de poder escolher caminhar perto dele. Salvador bonita do jeito que é, até onde não se vê mar, me fez entender o quão significativo é caminhar por onde a gente ama. A conexão que se sente, ajuda a trazer o lugar pra perto, é o entender definitivo que a gente faz parte.

E foi daí que desde pequena ficou claro pra mim a importância do caminhar como uma maneira de se perceber parte do todo.

E das caminhadas pela minha cidade, do andar na beira do mar, veio a vontade de caminhar por toda parte.

Caminhar na natureza alimenta. Li faz pouco tempo, um texto que defendia a teoria de que a natureza nos alimentaria de energia e o caminhar junto ao mato, junto ao rio, ao mar, seria diferente do caminhar na cidade, se você estivesse na sintonia certa, pronto pra receber aquela energia, você iria mais longe.

O caminhar em ilha de maré, como não poderia deixar de ser, me fez sentir presente. O tempo foi pra outro eixo, foi suspendido, e eu senti com calma as casinhas, a lama, as pegadas dos bichinhos, a dancinha dos siris, o mar, a areia, as conchas, o sol, as árvores, o céu. Tudinho. Com calma. Fui presente.

E voltando pra casa, no barco, com o sol na cabeça e o barulho do mar, eu pensei que não poderia existir maior felicidade que aquilo.

Meu trabalho é uma colcha de retalhos, no sentido figurado da coisa. Ele junta pedacinhos de maré e pedacinhos da caminhada que me foram especialmente queridos. A construção foi bem intuitiva, ele foi pensado para ser sentido.

É uma espécie de diário, com registros das coisas que chamaram atenção ao longo da caminhada, não de todas, as vezes a gente só tá tão envolvido que esquece de pegar a câmera pra registrar. Vai desde fotos dos descascados das casas, até a maré.

Caminhar é guardar um tempo só pra gente e caminhar em ilha de maré foi especialmente inspirador, me lembrou o tempo todo o quanto é importante para mim estar perto da água salgada.

 

“Quando eu morrer

Voltarei para buscar os instantes

Que não vivi junto ao mar”

O Canto de Oxum – Vinicius de Moraes

 

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